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Channel: Comentários sobre: Sobre Feminismo e a exposição de pessoas nas redes sociais
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Por: Ro

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De nada, Fran, eu que tenho que agradecer pela oportunidade do debate 😉

De fato, esses crimes graves são extremamente complicados, a questão do autor do delito… Na advocacia criminal, sempre tive dificuldade em lidar com estupradores – não em fornecer o devido atendimento jurídico, mas em formatar as coisas na minha cabeça. Porque eu lidava muito mais com as mães do que com os próprios réus, e partilhar do sofrimento delas é algo terrível… E eu, nos poucos anos que tenho de experiência, nunca tive a oportunidade de lidar com estupros de mulheres adultas, mas só de crianças (todas em média com 08 e 09 anos). Tenho a mesma dificuldade em lidar com latrocínios… Mas o pior, pior mesmo, foi atender um réu de violência doméstica (contra a ex-mulher e o filho), foi o mais difícil para mim.

O problema maior, para mim, é lidar com a criminalidade dos ricos: você mencionou, por exemplo, tráfico de seres vivos. Eu adicionaria crimes de corrupção e de peculato (desvio de dinheiro público), que, apesar de não serem “violentos”, acabam assassinando milhares de pessoas, depois, quando falta atendimento médico, estrutura de ensino, etc. Ainda assim, mudei depois que eu li um texto da Maria Lúcia Karam (chamado “A esquerda punitiva”, tem no Scribd acho), fora leituras do Zaffaroni, do Sérgio Shecaira, Vera Malaguti Batista, Foucault, enfim, um time da pesada que te traz à seguinte conclusão: o direito penal surgiu na história para preservar o poder das elites e, sempre, vem sendo usado para punir os pobres. Por isso, por mais que se criem leis que punam estupradores, traficantes de pessoas, lavadores de dinheiro, o sistema penal (o Zaffaroni deixa isso bem claro) é seletivo em si, não pela lei, mas por aqueles que atuam nele, e vai acabar sempre só punindo os pobres. Vamos contextualizar aqui: estupro e violência contra a mulher são crimes, mas o sistema só irá puir os agressores pobres, especialmente aqueles que se encaixem nos preconceitos sociais do sistema (negros, de baixa escolaridade, da periferia…) porque o direito penal não pensa nem nunca vai pensar na vítima, só no acusado (daí que surgem tantas garantias ao réu, para evitar essa seletividade).

Só para falar ainda um tantinho mais do Zaffaroni (ler sua obra mexe muito com a gente, viu?), ele diz que o “crime” é um rótulo imposto pelo sistema penal para um conflito social, e o direito penal não resolve o conflito – ele suspende o conflito no tempo, sem resolver, e promovendo ainda mais sofrimento ao réu e seus familiares. Por isso o direito penal é inadequado.

Agora, se você me perguntar, dá para abolir o direito penal? Eu fico com você, não consigo responder assim, na lata. Ninguém consegue. É muito difícil. Mas o cárcere eu acho que dá sim, eu vejo, por exemplo, como a criminalidade de colarinho branco vem sendo melhor combatida com penas de multa. Já com os estupradores (reitero que nunca tive contato com um estuprador de adultas e adultos, só ditos “pedófilos”), a coisa é mais complicada – só que eu continuo achando que não vai ser a prisão que vai resolver; até porque a prisão é um espaço de estupros, já que não só estupram os estupradores como vingança, como também os presos mais poderosos costumam “satisfazer sua libido” com os presos mais vulneráveis… Esse contexto, para mim, é o mais inadequado possível para lidar com estupradores.

Esse é um debate que temos que construir, Fran, você, eu, todas e todos na sociedade, repensarmos como enfrentar os “crimes” de forma efetiva (realmente efetiva) e respeitando os direitos humanos. Ainda não temos respostas, mas vamos continuar debatendo :)


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