Hailey, se você me permite, vamos falar um pouquinho de direito penal brasileiro (já deixo o comentário para todas e todos os demais)?
Você, mesmo leiga, já deve ter ouvido falar nas penas alternativas, que em vez da pessoa ser presa ela presta serviços à comunidade, paga multa, “cesta básica”, não? Provavelmente você também já ouviu falar em “Juizado de Pequenas Causas”, quando alguém tem problema com fatura de cartão ou de conta de telefone, certo?
Bom, esses Juizados (que na verdade se chamam Juizados Especiais, pela Lei 9.099/95) existem não apenas para questões cíveis (como os contratos de consumidor, por exemplo) quanto na esfera criminal – para o que a lei chama de crimes de menor potencial ofensivo. E, tirando estupro e homicídio, a maioria dos crimes que são cometidos contra as mulheres são de menor potencial ofensivo, já que o critério é quantidade de pena, não o tipo de crime (ameaça, constrangimento ilegal, injúria, calúnia, e lesão corporal).
Quanto à lesão corporal, ela recebia um tratamento bem mais brando pela Lei 9.099/95, e na Lei Maria da Penha (vou chamar de LMP) há previsão expressa de que a Lei 9.099/95 não se aplica em violência doméstica e familiar contra a mulher. Houve um questionamento se isso seria constitucional, e o STF acabou entendendo que sim.
Antes da LMP, os casos de violência doméstica (que não envolviam estupro e/ou homicídio) eram resolvidos no Juizado Especial Criminal (JECRIM), e, infelizmente, acabavam em palhaçada: juízas e juízes eram insensíveis, e tudo se resolvia com o agressor pagando uma cesta básica a uma ONG – e já saindo do fórum agredindo de novo a mulher… A LMP, então, criou uma série de previsões não só de processo, como também institucionais para mudar isso (atendimento interdisciplinar, por exemplo) – não porque o JECRIM em si seja ruim, mas porque ele é absolutamente inadequado para os casos de violência doméstica de gênero.
Então, lembra das penas alternativas que eu falei no começo? O art. 44 do Código Penal diz quando que se pode substituir a pena de prisão por uma alternativa (chamada “restritiva de direitos”), e um dos critérios é que o crime não envolva violência ou grave ameaça à pessoa. No JECRIM, isso acontecia por força da Lei 9.099/95, que trazia previsões diferentes. Se você pensou “então hoje não pode mais condenar em prestação de serviços a comunidade o agressor”, sim, você pensou certo: em tese, a regra do Código Penal passou a ser a boa e velha prisão para os agressores (como se ela magicamente criasse uma cultura de respeito neles…).
Aí tem outro problema técnico, que a LMP criou, porque não foi muito clara: ela alterou a Lei de Execução Penal (a LEP), lei que rege os cumprimentos de pena, dizendo que ao condenado por violência doméstica pode ser aplicada uma pena RESTRITIVA DE DIREITO (o caps é como negrito, desculpe) especial de obrigar a frequentar grupos de apoio e cursos contra a violência. O que temos? Uma contradição nas leis, sem resposta clara, que, na prática, termina sendo como “cada juiz faz o que quer no caso concreto”.
E, como falamos do nosso lindo Brasilzão, adivinha o que acontece, Hailey? Não só aquilo que já sabemos da prisão, como também o Poder Público não tem condições materiais de fornecer o curso/tratamento aos agressores.
Por que eu disse tudo isso? Juro que não foi para exercer prolixidade e fazer você perder seu tempo! Foi para lembrarmos, você mencionou a Suécia, que aqui no Brasil a LMP (como quase todas as outras) não é levada a sério pelo Poder Público, e o problema maior passa ser a falta de vontade política de enfrentamento e de cumprimento do que outra coisa – o que, certamente não acontece na Suécia, mas acontece também em outros países latinoamericanos…
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